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HORAS DE SAUDADE



Tudo vem me lembrar que tu fugiste,
Tudo que me rodeia de ti fala.
Inda a almofada, em que pousaste a fronte
O teu perfume predileto exala

No piano saudoso, à tua espera,
Dormem sono de morte as harmonias.
E a valsa entreaberta mostra a frase
A doce frase qu’inda há pouco lias.
As horas passam longas, sonolentas…
Desce a tarde no carro vaporoso…
D’Ave-Mariao sino, que soluça,
É por ti que soluça mais queixoso.

E não vens te sentar perto, bem perto
Nem derrama ao vento da tardinha,
A caçoula de noas rutilantes
Que tua alma etornava sobre a minha.

E, quando uma tristeza irresistível
Mais fundo cava-me um abismo n’alma,
Como a harpa de Davi teu riso santo
Meu acerbo sobrer já não acalma.

É que tudo me lembra que fugiste.
Tudo que me rodeia de ti fala…
Como o cristal da essência dp oriente
Mesmo vazio a sândao trescala.

O ramo curvo o ninho abandonado
Relembra o pipilar do passarinho.
Foi-se a festa de amores e de afagos…
Eras – ave do céu… minh’alma – o ninho!

Por onde trilhas – um perfume expande-se.
Há ritmo cadência no teu passo!
És como a estrela, que transpondo as sombras,
Deixa um rastro de luz no azul do espaço…

E teu rastro e mor guarda minh’alma,
Estrelaque fugiste aos meus anelos!
Que levaste-me a vida entrelaçada
Na sombra sideral de teus cabelos!...

Castro Alves

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