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23 de jan. de 2012

A volta


CRÔNICAS
A VOLTA (I)

Luís Fernando Veríssimo

Da janela do trem o homem avista a velha cidadezinha que o viu nascer. Seus olhos se enchem de lágrimas. Trinta anos. Desce na estação -  mesma do seu tempo, não mudou nada – e respira bem fundo. Até o cheiro é o mesmo! Cheiro de mato e poeira. Só não tem mais cheiro de carvão porque o trem agora é elétrico. E o chefe da estação, será possível? Ainda é o mesmo. Fora a careca, os bigodes brancos, as rugas e o corpo encurvado pela idade, não mudou nada.
O homem não precisa perguntar como se chega ao centro da cidade. Vai a pé, guiando-se por suas lembranças. O centro continua como era. A praça. A igreja. A prefeitura. Até o vendedor de bilhetes na frente do Clube Comercial parece o mesmo.
- Você não tinha um cachorro?
- O Cusca? Morreu, ih, faz vinte anos.
O homem sabe que subindo a rua Quinze vai dar num cinema. O Elite. Sobe a rua Quinze. O cinema ainda existe, mas mudou de nome. Agora eo Rex. Do lado tem um confeitaria. Ah, doces da infância… Ele entra na confeitaria. Tudo igual. Fora o balcão de fórmica, tudo igual. Ou muito se engana ou o dono ainda é o mesmo.
- Seu Adolfo, certo?
- Lupércio.
- Errei por pouco. Estou procurando a casa onde nasci. Sei que ficava do lado de uma farmácia.
- Qual delas, a Progresso, a Tem Tudo ou a Moderna?
- Qual é a mais antiga?
- A Moderna.
- Então é essa.
- Fica na Voluntários da Pátria.
Claro. A velha Voluntários. Sua casa está lá, intacta. Ele sente vontade de chorar. A cor era outra. Tinham mudado a porta e provavelmente emparedado uma das janelas. Mas nõ havia dúvida, era a casa da sua infância. Bateu na porta. A mulher que abriu lhe parecia vagamente familiar. Seria…
- Titia?
- Puluca?
- Bem, meu nome é…
- Todos chamavam você de Puluca. Entre.
Ela lhe serviu licor. Perguntou por parentes que ele não conhecia. Ele perguntou por parentes que ela não se lembrava. Conversaram até escurecer. Então ele se levantou e disse que precisava ir embora. Não podia, infelizmente, demorar-se em Riachinho. Só viera matar a saudde. A tia parecia intrigada.
- Riachinho, Puluca?
- É, por quê?
- Você vai para Riachinho?
Ele não entendeu.
- Eu estou em Riachinho.
- Não, não. Riachinho é  próxima parada do trem. Você está em Coronel Assis.
- Então eu desci na estação errada!
Durante alguns minutos os dois ficaram se olhando em silêncio. Finalmente a velha perguntou:
- Como é mesmo o seu nome?
Mas ele já estava na rua, atordoado. E agora? Não sabia como voltar para a estação, naquela cidade estranha.

VERÍSSIMO, Luís Fernando. Festa de criança. São Paulo. Ática, 200, p. 117-118.

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