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23 de jan. de 2012

CARTA ERRANTE, AVÓ ATRAPALHADA



Mirna Pinsky
MENINA ANIVERSARIANTE
Estou há mais de uma hora aqui, rabiscando essa carta cheia de bobagens para você, minha netinha querida. Queria que soubesse que me lembro de você e todo aniversário seu é uma festa pra mim. Embora eu seja bem preguiçosa para pegar na caneta, desta vez está sendo um grande prazer. Não sei por que, começa a dançar na minha frente uma porção de lembranças dos tempos mais distantes e as pessoas queridas que já não estão mais comigo voltam a me visitar. E pensamentos… quantos pensamentos diferentes vão surgindo, alguns passam voando e em outros eu consigo me deter. Um dia você quis saber por que moro em Israel, quando quatro de meus seis filhos moram no Brasil.
- Ora, porque os outros dois moram aqui – eu lhe respondi.
- Então você gosta mais desses dois do que dos outros quatro?
Achei tão engraçado que fiquei rindo sozinha um bocado de tempo. Não, gosto de todos da mesma maneira, mas eu vim para cá perseguindo um sonho. Sempre, desde que saímos da Polônia, quis vir morar em Israel. Você é muito nova, mas talvez poss compreender o que seja perseguir um sonho. vocÊ certamente tem vários e as pessoas novas não imaginamque as velhas também tem. E mais do que isso: não imaginam que essas mais velhas vão ter coragem de levar adiante e concretizar esse sonho. E quanto maior, mais complicado, mais difícil de concretizar – é o que todos acham. E estão certos, claro! Na minha idade se pensa muito tempo pra fazer uma mudança. E agora tenho muito orgulho de ter conseguido. Principalmente porque deu certo: sou muito feliz aqui.
- Mas você mora sozinha! É muito chato viver sozinha, vovó! Não dá medo, vovó? – você perguntou.
Não dá. O que dá, às vezes, é muita saudade, mas eu gosto do meu lugarzinho, das minhas plantinhas, dos meus bibelozinhos, das minhas fotogrfias. Sabe de uma coisa que eu descobri recentemente, minha netinha? É que se a gente conseguiu encher a vida com coisas boas, quando a gente fica mais velha não precisa de alguém vivendo junto o tempo todo. Aqui eu tenho sempre muitas visitas. Algumas ficam dois dias, outras uma semana, outras algumas horas. E eu vivo muito muito bem assim.
É bem verdade que estou sempre fazendo trapalhadas. Esqueço se já reguei as plantinhas, confundo, às vezes, os dias da semana e uso canetas erradas para escrever cartas para netinhas… Pois é, imagine que quando comecei esta carta não reparei que tinha pego aquela caneta maluca com tinta que apaga depois de algum tempo. Aquela ‘caneta de espião’ que você me deu de presente, lembra-se? E agora que já rabisquei três páginas, tenho preguiça de copiar tudo de novo. Acho que o melhor que tenho a fazer é ir terminando, masmo sem contar todas as minhas lembranças…
Prometo contar o que aconteceu com o gatinho da jangada que encontramos no rio quando for visitar vocês. Porque a surpresa eu deixo para o fim: vou para o Brasil, mas desta vez vou fazer uma surpresa de verdade. Só você e eu vamos saber. Não vou escrever nem pra sua mãe nem para qualquer um de seus tios. Vai ser surpresa mesmo!
E agora vou colocar esta carta no envelope – ainda bem que ele já está endereçado – e correr té o correio.
Não consigo me lembrar depois de quanto tempo a tinta começa a desaparecer…

PINKY, Mirna. Carta errante, avó atrapalhada, menina aniversariante. São Pulo: ftd, 1994, p. 38-42.

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